Texto analítico - HERTZBERGER


O Pátio Externo da Casa da Glória pode ser considerado um de seus espaços mais marcantes. Isso se dá muito por seu peculiar caráter articulador entre o público e o privado, uma vez que, mesmo que seja acessado somente pelos usuários e visitantes, tem uso coletivo e “mais público” do que, por exemplo, os dormitórios. Os corredores são os principais elementos de Gradação Territorial, uma vez que são também espaços de uso coletivo, porém mais reservados e menos expostos do que o pátio em si. A Demarcação Territorial entre esses espaços se dá, principalmente, pelas venezianas e pelo muxarabi, além da parede baixa e dos poucos degraus que acessam o pátio pelo jardim, e, de certa forma, ao analisar a verticalidade do local, também pelas janelas do segundo andar. Sua vista para o céu dá um sentimento de “fora”, mas as paredes com muitas janelas que o cercam nos lembram muito bem de que estamos “dentro”. Apesar de ser acessado por todos os integrantes da Casa, no pátio, o usuário não se sente tão livre ou confortável para usá-lo, pela sensação de estar sendo muito observado, tanto pelo primeiro quanto pelo segundo andar (o que era usado como instrumento de controle social, quando a Casa era um convento). Essa ideia foi amplamente trabalhada na nossa intervenção, que teve sua forma em treliça escolhida exatamente para aumentar o sentimento de liberdade no espaço, mas sem que ele perdesse sua característica de pátio externo.
A intervenção proposta pelo grupo também visa trazer à tona sua Forma Convidativa, já que tem o propósito de, ao prover uma cobertura parcial do sol e estruturas “sentáveis”, se tornar um espaço de permanência que não só traz mais conforto, mas também estimula e cativa as pessoas. Entretanto, temo que houve uma falha na tentativa de estabelecer um “espaço habitável entre as coisas”, ou seja, permitir usos aos objetos arquitetônicos que vão além dos formais e convencionais: pensou-se ao fazer “estruturas sentáveis” no chão ao invés de cadeiras convencionais, estaríamos aplicando esse conceito, o que não ocorreu, pois, apesar dessas estruturas estimularem uma ocupação mais livre, não estimulam ocupação informal (como, por exemplo, um corrimão que serve também para sentar e estender roupas), pois foram feitas, principalmente, com esse exato propósito de serem ocupadas dessa forma, para sentar, deitar ou apoiar objetos.
As diferenças de nível são muito marcantes não só dentro do pátio em si, mas também em sua relação com seus espaços adjacentes. Por isso, é interessante que elas, como Irregularidades, sejam incorporadas da melhor forma, ao invés de serem combatidas. A intervenção proposta pelo grupo não explora os diferentes níveis em relação às adjacências, o que já era feito, de certa forma, pela pequena  escada e pelo degrau que levam da parte exterior ao pátio, pelos bancos originais em um dos lados e pela interessante escolha de, manter, no corredor do muxarabi, a diferença de nível, mas eliminá-la nos outros dois corredores, trazendo-a para dentro deles, o que proporciona diferentes experiências (trabalhadas, inclusive, na performance feita pelo grupo). Contudo, as irregularidades internas do pátio, referenciadas na cobertura da intervenção, são parcialmente exploradas ao se estabelecer estruturas ocupáveis escalonadas, aproveitando o desnível em certas partes.
É também muito interessante analisar os conceitos de Urdidura e Trama no Pátio Externo. Por se tratar de um espaço, à primeira vista, vazio, talvez cause a sensação de que configura-se como um local que, por seu caráter mais vago, abra espaço para usos diversos e interpretações individuais, como uma tela em branco. Isso não deixa de ser parcialmente considerável, mas não pode se configurar como uma afirmação, pois nota-se, pelo fato de que é muito pouco utilizado, que ele não foi capaz de, como uma “espinha dorsal”, absorver a mudança de uso da Casa da Gloria, que passou de convento a museu/espaço de estudos. Além disso, com a retirada da árvore que antes havia, tornou-se um espaço mais repulsivo, pelo calor e pelo sentimento exposição, pelas várias janelas que para ele apontam. Com a intervenção proposta pelo grupo, esperamos que o pátio adquira maior sucesso nesse sentido, ao aumentar suas possibilidades de ocupação e acrescentar alguns elementos mais livres, espera-se que o contexto criado para interpretações e usos individuais aumente o potencial da Trama de dar aparência menos “crua” e vazia ao lugar.
            O Pátio Externo sofre com a mudança de uso da Casa da Glória. Quando ela era um convento, o sentimento de estar sendo vigiado já era fortemente comum no cotidiano das internas e se tornou costumeiro (também porque não tinham outra escolha). Entretanto, quando a casa passou a ser um museu, também usado para trabalhos de campos de estudantes da UFMG, esse sentimento de opressão do pátio se tornou inadequado. Com isso, podemos observar o caráter funcional e pouco flexível do espaço, projetado para que as freiras convivessem e tomassem banho de sol, tornou-se repulsivo exatamente pela forte incidência solar e pela falta de privacidade. A intervenção não explora o conceito de Polivalência, pois visa retomar o caráter original e típico de ser um pátio coletivo para convivência, mas tenta torna-lo um pouco mais flexível quanto à criação de mais usos individuais que surgirão com ela.

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